quarta-feira, maio 23
Sem título, sem saco
Acordei de saco cheio. Não de acordar cedo, ou de perder
madrugadas estudando. Na verdade, estou de saco cheio e não sei o porquê
exatamente. Mas me sinto saturado de tudo, tanta obrigação. Algumas vezes me dá
vontade de ser uma mosca inútil (aquela que vocês querem ser para bisbilhotar a
vida alheia) só por ela ser tão insignificante. Queria ter momentos em que eu
fosse invisível, passasse pelas pessoas e elas não me enxergassem, ou não se
importassem. Preferiria ser uma mosca que procura um bando de porcarias podres
sem as quais não sobreviveria a ser – também insignificante – o que sou. Um ser
humano que coloca no sofá e assiste as notícias do espaço, seu próprio espaço,
desmoronando. Ou talvez eu prefira ser uma geladeira. Sim, uma geladeira. Não importa a
marca, ou o que acontece do lado de fora, por dentro estaria sempre fria, cheia
de coisas bem boas. Ou mesmo quando vazia. Abririam a porta só para pensar
sentindo o frio interior que acalma. Mas talvez eu prefira ser eu mesmo. Pensando melhor, eu não gostaria de sentar
em dejetos em estado de putrefação que me manteriam vivos. Pensando melhor
ainda, também não iria gostar de estar apático a tudo o que acontece por aí e
gélido no meu interior. Gosto de ser humano. Gosto dos sentimentos. Eu quero
ter a cabeça cheia, preocupado se vou passar ou não no vestibular, manter os
pulmões bem cheios de ar e deixar o coração quente e aberto para quando o amor
chegar.
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