quinta-feira, maio 31

Acorda bem. Pisa o pé direito no chão. Toma banho, veste a melhor calça, a blusa mais bonita e calça os melhores sapatos. Senta na mesa e enche de café uma xícara vermelha, bebe, deseja bom-dia a sua mulher, dá-lhe um beijo e sai de casa para o expediente. Acaba observando que o céu nunca esteve tão azul e nem há nuvens atrapalhando os raios de sol, e que hoje com certeza é um bom dia. Chega atrasado no trabalho, olha em volta e vê um sorriso amarelo no rosto de uns, bocas entortadas em tom de preocupação em outros, mas sabe que aquele é um bom dia e o seu sorriso está esticado até onde não se pode mais. Sai para almoço e resolve não voltar para casa. Avista um restaurante - que não havia sido percebido até hoje - bem em frente ao estabelecimento e segue até lá. Ao fim do horário volta aos serviços. Faz tudo o que tem de ser feito sem pensar como é chato dar conta daquela pilha de coisas. Até canta a sua música favorita enquanto termina de organizar os papéis para ir embora. Liga o carro e vai até o mercado. Não compra pão e leite como de praxe. Acha que dois litros de refrigerante e três pizzas de sabores diversos serão suficientes para dar uma quebrada na rotina massante dos dias normais. Chega em casa e vê que a sua mulher ainda não voltara do trabalho e resolve deixar tudo preparado para quando der a hora de ela voltar para casa. Guarda a garrafa de refrigerante no freezer, coloca as pizzas no forno e vai tomar banho. Por já ter passado das sete horas da noite, começou a esfriar e resolve vestir um suéter e uma bermuda para aguardar a chegada da sua amada. Ela chega e logo ele mostra o que havia preparado. Então, ele aguarda que ela tome um banho para se juntarem e comerem juntos. Preferem o sofá espaçoso e aconchegante da sala a rotineira mesa de refeições da cozinha. Após terminarem, sobem para o quarto e ele tem uma boa noite. Assim acaba um bom dia, com uma boa noite.

quarta-feira, maio 30

3 dedos de culpa e uma colher de gostar.

Terminei a refeição do meio-dia e me recostei no sofá com um copo cheio de uma bebida da qual eu havia provado poucas vezes. Nada de um gole de vinho, ou dose de uísque. Só uns três dedos de culpa. Não importa como aconteceu, mas eu bebi e senti de novo aquela sensação estranha. Ao invés de descer como fogo pela garganta, descia fria como um copo de água que estava num freezer mas ainda sem congelar. E continuou a produzir a mesma sensação. Frio. Frio na barriga, com um leve gosto de dúvida. Ou mistério. Parece coisa de psicopata, mas gostei do que senti. Geralmente a culpa é como um peso nas costas, uma dor de cabeça que só passa quando se coloca para fora o que causa a angústia. Comigo é diferente. Degustar a culpa me faz querer ser mais culpado, e beber mais dessa substância diretamente da garrafa. É como o álcool para um alcoólatra, sem a dependência. Porque depender é só para os fracos, e viver único e sozinho não é para todos. Sou assim independente, culpado, réu em vários graus. E vivo errando e me culpando e sentindo o frio na barriga. E gostando.

segunda-feira, maio 28

Aspas

Enquanto houver você do outro lado
Aqui do outro eu consigo me orientar
A cena repete a cena se inverte
Enchendo a minha alma daquilo que outrora eu deixei de acreditar
Tua palavra, tua história
Tua verdade fazendo escola
E tua ausência fazendo silêncio em todo lugar
Metade de mim
Agora é assim
De um lado a poesia o verbo a saudade
Do outro a luta, a força e a coragem pra chegar no fim
E o fim é belo incerto... depende de como você vê
O novo, o credo, a fé que você deposita em você e só
Só enquanto eu respirar
Vou me lembrar de você
Só enquanto eu respirar...

O anjo mais velho, de O Teatro Mágico.

quarta-feira, maio 23

clichê fora do comum


Foi quando eu tirei essa fotografia. Lembrei dela. Olhei nos grãos de terra e vi o castanho do cabelo e dos seus olhos. Olhei as pétalas da delicada flor que estavam murchas do frio e vi o tom róseo das suas maçãs do rosto. E olhei para o verde, mas dessa vez não vi. Só senti, o vento gélido da manhã, que acalma e esfria a mente e o coração. Foi isso. Captei a flor e fiz a fotografia. E vi. E senti. Ela, só ela.

Sem título, sem saco

Acordei de saco cheio. Não de acordar cedo, ou de perder madrugadas estudando. Na verdade, estou de saco cheio e não sei o porquê exatamente. Mas me sinto saturado de tudo, tanta obrigação. Algumas vezes me dá vontade de ser uma mosca inútil (aquela que vocês querem ser para bisbilhotar a vida alheia) só por ela ser tão insignificante. Queria ter momentos em que eu fosse invisível, passasse pelas pessoas e elas não me enxergassem, ou não se importassem. Preferiria ser uma mosca que procura um bando de porcarias podres sem as quais não sobreviveria a ser – também insignificante – o que sou. Um ser humano que coloca no sofá e assiste as notícias do espaço, seu próprio espaço, desmoronando. Ou talvez eu prefira ser uma geladeira. Sim, uma geladeira. Não importa a marca, ou o que acontece do lado de fora, por dentro estaria sempre fria, cheia de coisas bem boas. Ou mesmo quando vazia. Abririam a porta só para pensar sentindo o frio interior que acalma. Mas talvez eu prefira ser eu mesmo. Pensando melhor, eu não gostaria de sentar em dejetos em estado de putrefação que me manteriam vivos. Pensando melhor ainda, também não iria gostar de estar apático a tudo o que acontece por aí e gélido no meu interior. Gosto de ser humano. Gosto dos sentimentos. Eu quero ter a cabeça cheia, preocupado se vou passar ou não no vestibular, manter os pulmões bem cheios de ar e deixar o coração quente e aberto para quando o amor chegar.

quarta-feira, maio 2